Quando assisti ao vídeo, pelo Instagram, da brasileira e bióloga Vanessa Rodrigues Granovskaya, pedindo ajuda para deixar a Ucrânia com o bulldog Thor, eu não tinha ideia do que havia sido suas 72 horas anteriores. Ninguém tinha.
Reportagem produzida para o Estadão e publicada em 7/3/22.
Desde 2019, Vanessa, que está grávida de 10 semanas, vivia em Kiev, capital ucraniana. Até um dia antes de a Rússia invadir o país, sua vida era normal, trabalhava em uma empresa de biotecnologia e passeava com o Thor duas vezes por dia.
A invasão
Havia rumores de que o ditador russo iria invadir o vizinho ucraniano, mas ninguém acreditava, achavam que não passava de ameaças, me conta Vanessa. Acordar com essa notícia levou a população ao desespero. Em 48 horas não tinha mais comida nos supermercados, filas quilométricas congestionavam os postos de gasolina e faltava dinheiro nos caixas eletrônicos. Quem pode sair, dirigiu para as cidades da fronteira. Vanessa não pode. Ela e seu marido Vladimir Granovskaya, também biólogo, tentaram deixar Kiev por duas vezes. Na primeira, o táxi nunca apareceu e naquela noite escutaram o bombardeio na cidade vizinha.
No dia seguinte, começou o toque de recolher. Existia uma janela pequena para saírem do país e resolveram arriscar. Eles não tinham carro, o meio de transporte seria o trem. Só poderiam levar, o que pudessem carregar. Nas mãos de Vanessa estava o Thor que tem 15 quilos. Nas do marido, duas malas. Uma com roupas e documentos. Outra com um cobertor, o que tinha de comida na geladeira e sachês de comida úmida para cachorro.
Um vizinho prestou socorro e os levou à estação de trem de Жд вокзал. Chegando lá, se depararam com uma multidão de pessoas gritando, se empurrando e policiais armados tentavam controlar o caos. Mulheres e crianças tinham prioridade e Vanessa conseguiu chegar até a plataforma, um nível abaixo, porém não foi possível embarcar, as pessoas estavam histéricas e os vagões lotados. “Peguei o Thor no colo, segurei as patinhas dele. Ele tentou se mexer para sair, por isso, tive que segurar firme. Eu tinha medo de ele ser pisoteado, o segurei como um bebê. Eu não tinha opções, era isso ou nada”, relembra Vanessa.
Plano B
Em choque, lembraram-se de uma opção de fuga alternativa, em que deveriam pegar um táxi até determinado ponto de encontro, onde seriam resgatados e levados para um abrigo. Não havia garantia de nada, nem que alguém apareceria para buscá-los. O local era afastado da cidade. Uma vez lá, não teriam como voltar. Arriscaram. No final do primeiro dia de fuga, foram abrigados em um alojamento com comida em abundância, uma cama confortável e muito carinho. Eles e o Thor acabaram o dia seguros. “Coloquei a mantinha do Thor em cima de um sofá e ele dormiu profundamente, pois estava exausto assim como nós” relata.
O voo da FAB
No dia seguinte, embarcaram em uma kombi com apenas dois assentos, rumo a Lviv, cidade que faz fronteira com a Polônia. Outras pessoas foram resgatadas em uma praça. O Thor sempre no colo da Vanessa. Durante o caminho cruzaram por bloqueios militares. O próximo ponto de encontro era às 20 horas em um posto de gasolina, não podiam atrasar, pois às 22 começava o toque de recolher. Dessa vez, foram levados ao apartamento de uma família, que já havia fugido da guerra e como eles, deixado tudo para trás. Em mais uma confissão, relata: “O tempo todo você confia em desconhecidos e se pergunta: o que vai acontecer? Vivi 10 anos em 8 dias de guerra”.
Uma vez em Lviv entraram em contato com a Embaixada Brasileira e souberam que um avião da FAB voaria para Varsóvia com suprimentos e levaria de volta os brasileiros em fuga. Vanessa informa que existe o Thor, seu companheiro de uma vida, e, então, surge o empecilho de levá-lo por ser um cão braquicefálico, de focinho curto. Ela entra em desespero, pois o ônibus da evacuação sairia na próxima manhã. Durante nossa conversa confidencia o que já sabemos, o Thor é um filho para ela, esteve ao seu lado por 13 anos e deixá-lo para trás não é uma possibilidade. Claro que não.
O pedido de ajuda nas redes sociais
Neste momento de desespero ligou para uma amiga, que tinha o telefone da defensora dos animais Luisa Mell. “Eu não conseguia falar, acabara de fazer a travessia até Lviv abaixo de muita tensão, estava uma pilha de nervos. Comecei a chorar e ela também chorou do outro lado. Pediu que eu gravasse um vídeo explicando minha situação.” E assim foram feitas as imagens que você e eu vimos, perplexos, pelas redes sociais.
“A minha intenção era fazer com que a embaixada entendesse minha situação como foragida, eu não queria descumprir regras, não era um passeio que eu poderia me programar e organizar, eu estava fugindo de onde morava e deixando tudo para trás” desabafa, mais uma vez.
Thor poderá voar
O efeito foi rápido, o deputado federal Fred Costa vê a postagem da Luisa e faz contato com o Ministro Carlos França das Relações Exteriores com o pedido para que o Thor seja liberado no voo da FAB. “Não tem como para nós, tutores de animais, deixar um filho para trás. Inclusive, combatemos de forma veemente o abandono de animais, que é crime”, afirma o deputado, que milita a favor dos animais.
Na mesma madrugada seu telefone: são os assessores do deputado comunicando que irão lhe ajudar. Horas mais tarde, o cônsul da embaixada do Brasil na Polônia confirma o embarque de Thor. Na próxima quarta-feira, dia 9 de março, Vanessa e Thor voltarão para o Brasil a bordo da aeronave da Força Aérea Brasileira. Ninguém será deixado. O Thor tem permissão de voar!