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Condições Climáticas

Como a Ella ficou nove dias dentro de um hospital

Quando eu soube que a minha mãe havia sido hospitalizada em Porto Alegre, pensei: preciso da companhia da Ella (minha filha pet). Para ir de avião, eu teria que entrar com uma liminar e aguardar a resposta do juiz, pois a Ella pesa 18 quilos e as companhias aéreas permitem a bordo apenas cães de até 10 (contando o peso da caixa de transporte) e o porão eu não cogito de forma alguma. Optei, então, em fazer a viagem de carro, que tem a duração de 10 horas.

Reportagem publicada no Estadão

Em seguida, amparada pela lei 15.555, entrei em contato com o hospital comunicando que eu iria visitar a minha mãe e estaria com meu cão de suporte emocional. Fui barrada antes mesmo de chegar.

Mesmo quando tudo está triste e sombrio, algo de bom acontece. No dia que chego na capital gaúcha, minha mãe é transferida do Ernesto Dornelles para o São Lucas da PUC, que cumpre a lei e vai além: nos abraça carinhosamente. 


 Ella e a paciente Juracy Pimentel em um quarto da PUC
Ella e a paciente Juracy Pimentel em um quarto da PUC Foto: Estadão

Isso está mesmo acontecendo?

Chegamos em um domingo, pelas 18 horas. Lembro do céu estar lindamente avermelhado. Cruzo a porta principal do Hospital São Lucas da PUC e atravesso o salão vazio. Vou até o balcão de atendimento e comunico que vim visitar minha mãe, que acaba de ser internada no quarto 964. A Ella está ao meu lado. A atendente rapidamente diz que todos estão a par, faz meu cadastro e entrega o crachá de visitante. A porta ao lado da catraca é aberta e sigo em direção aos elevadores. Isso está mesmo acontecendo? Eu acabei de entrar em um hospital com a Ella sem nenhuma complicação? 

Entro no elevador, desço no nono andar e quando os enfermeiros vêm a Ella, uma comoção se estabelece: eles se aproximam, agacham e fazem carinho. Estávamos prestes a mobilizar um hospital, mas não tínhamos a mínima ideia de que isso iria acontecer. Por sorte e anos de preparo, estávamos prontas. 

Neste momento, tiro a Ella do status de cão de suporte, que não deve ser tocada por outras pessoas, pois seu trabalho é estar conectada comigo. Estou segura com a Ella ao meu lado e conheço seu comportamento e nível de sociabilidade.  


 Ana Carolina (gerente assistencial), Dr. Renan Meireles (médico da Juracy), Simone Ventura Campos (diretora assistencial) e Saulo Mengarda (diretor geral) visitando a paciente Juracy e a pet Ella
Ana Carolina (gerente assistencial), Dr. Renan Meireles (médico da Juracy), Simone Ventura Campos (diretora assistencial) e Saulo Mengarda (diretor geral) visitando a paciente Juracy e a pet Ella Foto: Estadão

72 horas antes

Na sexta-feira à tarde, 72 horas antes, ainda em São Paulo, converso pelo telefone com a advogada do Hospital Ernesto Dornelles. Mesmo tendo enviado ao hospital os documentos exigidos pela lei: laudo da psicóloga Sônia Russo, do adestrador Felipe Siqueira e da veterinária Natália Ardizon, fica claro que o acesso da Ella será negado e que devo entrar com uma liminar. 

Desligo o telefone decidida a fazer meus direitos serem respeitados e o  advogado Sheise Sá, do Sheise Sá Advogados, aceita me defender: “Primeiro, antes de tudo, lamento que você precise da gente para uma coisa que jamais poderia ser questionada”. Suas palavras me fazem bem. 

Ele explica que precisamos de uma negativa formal para, então, entrarmos com o pedido de liminar. Combinamos que vamos juntos ao hospital e de lá, com a proibição da entrada, ele vai ao fórum pleitear a presença da Ella enquanto serei acompanhante da minha mãe de 86 anos, que luta contra um câncer. 

“Desde o início tentamos fazer junto ao Hospital Ernesto Dornelles o cumprimento da Lei para que a Ella pudesse acessar as dependências, entretanto, enfrentamos dificuldades de comunicação. Enviamos toda a documentação necessária e somente dias após, já com a paciente transferida da instituição, foi repetido que a situação só seria resolvida através de ordem judicial. A Lei 15.555, apesar de recente, é clara e entendemos que não permite dupla interpretação, fazendo com que essa postura não seja a correta”, acrescenta Sheise.


 Ella e Juracy: cumplicidade de anos

Pata Amiga

O hospital São Lucas aceitou meu pedido de ingressar com a Ella por absoluta empatia e respeito à lei, claro. A grande responsável por isso é a diretora assistencial, Simone Sleimon Costa Ventura, idealizadora do programa Pata Amiga, criado em 2019, com o intuito de permitir que os pacientes internados sejam visitados por seus pets. “Receber a visita do seu animal de estimação é de extrema importância para os pacientes e seus familiares. A presença dos pets em uma internação hospitalar melhora com certeza o bem-estar, ajuda na recuperação, traz alívio na ansiedade e reduz o estresse, sem contar na humanização que traz ao paciente e família neste momento tão delicado”, explica Simone.

Enfermeira pet 

A nossa presença ao longo de 9 dias em turno integral foi um ineditismo, pelo tempo de duração, que deu certo e trouxe novas ideias ao Pata Amiga. 

Nas palavras da Simone: “A presença da Ella no HSL fez um bem imensurável: todo o hospital foi mobilizado, incluindo equipes, direção e pacientes. Foi sensacional. Por isso, fizemos questão de dar a ela um crachá exclusivo e um jalequinho, já que ela se comportou como uma verdadeira enfermeira pet”.  


 Simone Sleimon Costa Ventura e a Ella
Simone Sleimon Costa Ventura e a Ella Foto: Estadão

Hospital modelo

O programa Pata Amiga fez um mapeamento de risco, criou um protocolo de acesso seguro, levando em conta o comportamento dos animais e a dinâmica de um hospital. O São Lucas é um hospital modelo e inspiração para todas as instituições de saúde do Brasil. E isso só é possível porque ele tem a pessoa certa no lugar certo, o que me faz dizer: por mais Simones nos hospitais brasileiros.

 “A inserção dos animais nas nossas vidas traz benefícios inigualáveis. É com certeza o momento mais leve e feliz de uma internação hospitalar, pois este movimento também faz parte do cuidado e acolhimento dos nossos pacientes, uma vez que nossos pets são membros da família e o amor por eles é incondicional. Tudo com total segurança e organização, para o bem-estar de todos”, salienta a diretora que ama cães. 


 Ella deixando possível suportar momentos tão difíceis
Ella deixando possível suportar momentos tão difíceis Foto: Estadão

A Ella foi do São Lucas

Não havia a mínima possibilidade de privar outros pacientes e equipe hospitalar de estarem próximas da Ella, que durante nosso período de visitas à minha mãe, não foi mais minha e, sim, do São Lucas. Por ser uma cachorrinha profundamente socializada, acostumada a interagir com outras pessoas e cães e estar em ambientes barulhentos, a Ella transitou tranquilamente pelo quarto da minha mãe e dos demais pacientes, corredores e UTI. Estou ainda mais convicta que o caminho para a inclusão dos pets em nossas vidas é mediante o preparo deles (leia-se educação, limites e socialização) em espaço públicos com outras pessoas e animais. 


 Ella, no seu carrinho, trazendo alegria ao quarto

Ao longo dos 8 anos da Ella, eu sempre tive como prioridade estabelecer uma profunda relação de conexão com ela onde a obediência é a base, pois sempre soube que este padrão seria fundamental para estarmos juntas sem limitações. Não há nada que eu faça sem a companhia dela. O bom comportamento da Ella é nosso passaporte de acessibilidade. Com isso, em um dos momentos mais dramáticos da minha vida, onde a minha mãe luta contra um câncer severo, a presença da Ella deixa o insuportável possível de aguentar.

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