As mortes do curitibano Jesse e do golden retriever Shurastey no dia 23 de maio de 2022 emocionou o Brasil, quem o seguia pelo Instagram ficou devastado e os que não o conheciam passaram a seguí-los. De 400 mil seguidores a conta atingiu 1 milhão e meio de pessoas em poucos dias.
Há muitos elementos que fazem essa história despertar sentimentos de tristeza e reflexão: Jesse ousou quebrar paradigmas, escolheu um icónico fusca como meio de transporte, disse que iria ao Alasca e elegeu como parceiro de viagem um cachorro. Sim, um cachorro!
A trajetória de Jesse e Shurastey
Jesse, em 2017, deixou seu trabalho com salário fixo e ar condicionado em um shopping de Balneário Camboriú e caiu na estrada rumo ao extremo sul do mundo, a bordo de um fusca 1978 e na companhia de Shurastey.
Pegou gosto pela estrada e decidiu estender sua road trip até o Alasca. Ao longo de cinco anos visitaram 17 países e rodaram 85 mil quilômetros quando um acidente de trânsito em Oregon colocou fim à jornada.
Um pouco antes de morrer, foi ao estúdio de gravações, em Nova Iorque, do podcast “Mais do que 8 minutos”, comandado pelo humorista Rafinha Bastos. A entrevista, que foi ao ar no dia 18 de maio, é incrível e mostra que sua trajetória estava apenas no começo, ainda tinham muitas viagens, aventuras e futuros negócios para acontecer.
Começou sua viagem com dez mil reais no banco, teve muita ajuda pelo caminho, criou uma comunidade, lançou uma linha de coleiras e guias, entre outros produtos, para cães e humanos e estava perto do “segundo” destino final. O primeiro havia sido o Ushuaia.
O que a psicologia fala
O homem é um ser social por natureza. A princípio essa sociabilidade sempre se estabeleceu entre seres da mesma espécie, porém o cachorro tem desempenhado o papel de acompanhante de muitos homens e mulheres, de todas as idades, classes sociais e estilos de vida.
A frase “quanto mais conheço o ser humano, mais gosto dos animais” é comum e fácil de entender, afinal, diferente dos homens o cachorro não trai, julga ou abandona. “Ele acolhe e dá afetividade independente da pessoa ser rica, pobre, gorda, magra, bonita, feia, jovem, velha e bem ou mal sucedida”, pontua a psicóloga Juliana Bastos, especializada em terapia cognitiva e comportamental e mestre em educação pela UFJF.
A psicóloga, que também é tutora de uma golden retriever – a Maria Flor – nos lembra que os cachorros não são mais vistos como objetos, por isso, o termo irracional caiu em desuso. Eles são seres sencientes, ou seja, capazes de sentir emoções como a dor, tristeza, alegria e medo de forma consciente. “Tudo que querem é a companhia dos seus tutores e isso é muito benéfico para os seres humanos”, acrescenta.
E, claro, é ótimo lembrar que a troca de afeto entre uma pessoa e um animal libera os hormônios do prazer, bem-estar e felicidade e essa “química mágica” é provada pela ciência.
A educadora canina Manu Moraes, da escola Dog Urbano, concorda com a afirmação da Juliana sobre os cães serem seres sociais e alerta: “As pessoas querem um cachorro para enfeitar a casa e serem um ponto de apoio emocional e não pensam na característica da espécie. Um cachorro não fica feliz 12 horas sozinho em um apartamento, 6 é o máximo e até 4 é saudável. Os cães querem estar conosco o tempo todo, a natureza deles é essa. A vida do Jesse e do Shurastey é a ideal para um cão”.
A relação do Jesse e do Shurastey
Jesse optou por uma jornada solitária. Quer dizer, parcialmente, pois ele tinha o Shurastey, seu ouvinte e melhor companhia. O convívio intenso e o vínculo extremamente forte que se estabeleceu entre eles supriam o afeto e atenção, que ambos necessitavam para sobreviver.
Na entrevista para o Rafinha Bastos, Jesse relata: “eu falo qualquer coisa e ele me entende. Às vezes, bate uma bad vibe e ele chega mais perto, fica mais carinhoso. A gente tem uma relação muito boa, é acordando e dormindo junto há 5 anos. A gente está junto, troca uma ideia, fala umas abobrinhas juntos, é da hora. Se não fosse ele, eu não teria chegado tão longe. Dá uma solidão, se não fosse ele, dar uns abraços no cachorro eu teria parado”.
O animal como filho
Quando assessoro locais pet friendly, uma das primeiras coisas que digo é: não use a palavra animal, você está falando do filho do seu cliente ou hóspede.
Há quem questione essa relação, mas na visão da psicóloga o fato do animal ser tratado como filho e, muitas vezes, substituir a figura de um não quer dizer que seja ruim, pois os benefícios causados pelos animais são inquestionáveis como mostram os casos de depressões superadas como a presença de um cão. “Afinal, eles entregam afetividade, sensação de pertencimento e amor incondicional, elementos fundamentais para o equilíbrio emocional das pessoas”, analisa Juliana.
O afeto promove proteção, que é o segundo elemento de importância na hierarquia das necessidades básicas de sobrevivência propostas pelo psicólogo americano Abraham Harold Maslow, válida para homens e animais.
Porque a morte gera comoção
Somos mortais, mas não queremos pensar na morte. Quando uma pessoa jovem morre somos surpreendidos e retirados da zona de conforto, pois lembramos que também podemos morrer e que uma fatalidade pode acontecer a qualquer momento. “Os dois eram jovens e famosos, houve um rompimento da vida e da aventura, o fim da felicidade e do entretenimento. A morte na flor da vida, em um acidente, de forma inesperada é uma ruptura muito forte do que temos como ideal e vem à tona a nossa própria mortalidade”, explica Juliana.