Quando a médica oncologista pediátrica do Instituto Nacional do Câncer Infantil Bianca Amorim Santana contou o motivo que fez a golden retriever Hope entrar na sua vida, senti um nó na garganta.
Coluna publicada para o Estadão.
Um pedido que mudaria o futuro
Davi tinha nove anos quando o câncer o levou. Seu último pedido? Abraçar seu cachorro. “Quando eu disse para o Davi que não podíamos ir até a casa dele, pois era muito longe, buscar seu cão, ele pediu para ver qualquer cachorro e não entendeu não termos um no hospital”, relatou a médica que ama cães.
Naquele dia, o amor por cachorros que a Dra Bianca nutria desde que nasceu, falou mais alto e a chegada da Hope começou a ser planejada. Ela buscou um canil que tivesse cães dóceis e calmos e escolheu o filhote mais tranquilo da ninhada. Ao completar dois meses de idade, começou a adestrá-lo para tornar-se cão terapeuta. O que ela não sabia é que a Hope também seria um grande apoio emocional para as enfermeiras, médicos e funcionários do hospital.
A grande estreia
Finalmente, chegara o momento da cachorrinha conhecer seu local de trabalho. Neste dia foi a paisana, apenas para fazer reconhecimento de campo e literalmente cheirar todos os cantinhos. Chegou ao INCA no final de tarde e quem já deveria ter ido embora, ainda estava lá. Os médicos intensivistas pararam seus trabalhos para conhecerem a nova integrante da equipe, que chegava para ajudar os doentes em busca de cura e os médicos a enfrentarem a gigantesca pressão psicológica. Nenhum nome poderia ter sido mais adequado: Hope, esperança em inglês, chegava trazendo o que todos mais precisavam: fé.
Em tempos de Covid
Duas vezes por semana, Hope ia ao hospital, até que chegou o Covid-19 e com ele restrições mais severas. Sua atividade foi suspensa momentaneamente, mas isso não impediu que seguisse em contato com amigos e já colegas de trabalho. No aniversário da Dra Sima Ferman, chefe do departamento, fez parte do “parabéns a você” pelo Zoom. Volta e meia, aparece nos vídeos com a médica intensivista Daniela Gazi, que está totalmente isolada desde o começo da epidemia por ter uma doença autoimune, quando sempre dá uma lambidinha na tela.
Talvez, o momento mais importante da Hope, na vida dos profissionais da linha de frente nesse momento, tenha sido o encontro com o Dr Flávio Andrade, também médico oncologista pediátrico. Havia sido uma semana longa e dura para ele, que estava cuidando de três casos terminais ao mesmo tempo, sendo que um deles era seu paciente a 13 anos. Só mesmo a doçura da Hope para tornar suportável a perda do menino que virou adulto, formou-se em biomedicina, estava terminando um mestrado, era sempre tão gentil, mas teve sua vida interrompida por um sarcoma de Ewing.
Junto dos maiores heróis que a humanidade tem visto e aplaudido está a cachorrinha Hope, que leva amor e esperança para todos que têm a ousadia de acreditar em milagres e curar vidas.